quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Doisélles: a união do público e privado


“Produto manual é caro por causa das pessoas”


            Olá leitores, sei que estou em falta com o blog, passei meio apertado esses dias com outros compromissos, porém voltei para o post de hoje, era para eu ter postado semana passada, porém surgiu o Line Up da SPFW então dei uma aguardada, pois esse tema é muito interessante, mais recentemente nesse mês a umas duas semanas atrás tive a oportunidade de ir com uma amiga minha na III Feira Têxtil da Faculdade Santa Marcelina onde assisti a uma palestra de Raquell Guimarães proprietária da Doisélles desenho em tricô.

  

            Eu não conhecia o trabalho dessa jovem designer, porém me apaixonei na 1° vista, primeiro por ela ser uma graça de pessoa e segundo por ela fazer um trabalho de inclusão social com detentos de presídios em minas gerais, mas vamos do começo, essa mineira que tricota e faz crochê desde a infância esteve na indústria da moda desde cedo por causa de seu pai proprietário de uma malharia e tecelagem, portanto a escolha de Raquell por essa área foi muito natural já que ela estava no caminho, depois de formada sua coleção de conclusão de curso toda em tricô chamou a atenção da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT) que convidou a designer para uma clínica de produto, pois o que ela apresentava era diferenciado e autoral.


   



             Três meses após essa clínica a ABIT a enviou para a feira Who’s Next em Paris onde todo ano são lançados novos talentos no ramo da moda, posteriormente essa feira com um boleto de pedidos cheios aconteceu um impasse já que a designer em ascensão tinha que decidir em qual nicho seu produto estava conectado se era em escala industrial ou manual, nesse momento ela decidiu conectar o seu tricô a uma esfera mais artística e conceitual evitando assim um embate com as fábricas chinesas e seu preço extremamente baixo. Nesse período da palestra foi que Raquell justificou o porquê de ter envergado nesse caminho e o porquê de suas peças serem caras segundo ela “O produto manual é caro por causa das pessoas, pois ela se dá para criação”. Uma roupa como a dela feita toda manualmente demora três dias para ser realizada enquanto uma indústria faz em um dia trezentas peças de tricô através de maquinário, depois de feitas as escolhas e com o talão cheio de pedidos vamos fabricar?

 


            Esse foi o objetivo dela para atender os pedidos, no início era uma confecção bem caseira onde sua mãe a auxiliava costurando, porém com o excesso de pedidos ela precisou procurar mão de obra externa que daria conta dos pedidos, isso não foi fácil pois essa ciência é passada de mãe para filha e por ser algo que já foi comum as pessoas que realizavam muitas vezes eram idosas e aposentadas portanto não havia mão de obra disponível, foi ai que Raquell  pensou em treinar pessoas pois ela sabia e se precisava de mão de obra por que não ensinar? Para isso ela foi até uma penitenciária onde inicialmente ela cogitava aplicar esse projeto para as mulheres que estavam nesse local.

 

            Porém não foi isso que ocorreu por causa da lotação no bloco feminino Raquell foi desenvolver esse projeto no bloco masculino, é estranho pensar em homens tricotando não é?  Mas ela conseguiu educar os rapazes e hoje eles se orgulham em estarem fabricando peças que aparecem nas novelas e em ensaios de moda em revistas, porém a escolha deles não foi ao acaso já que dentro da penitenciaria já existia um núcleo de fabricação de tapetes artesanais, portanto não foi difícil ela explicar a eles as receitas para fazer tricô mas ao mesmo tempo ela os incentivou a terminarem os estudos e se graduarem no ensino médio e fundamental. Com esse projeto instalado houve outra dúvida como seria feito o pagamento? Por remissão de pena ou em dinheiro? Raquell propôs um pagamento acima do piso da LEP (Lei de execuções penais) que é de dois quartos de um salário mínimo, onde os presos seriam remunerados por produção tal qual ocorre em alguns estabelecimentos comerciais.



            Esse trabalho desenvolvido é tão incrível que a própria designer fez um documentário chamado cadeia de produção exibido na ocasião da palestra, onde mescla testemunhos de detentos e dos profissionais que trabalham na penitenciária, nesse documentário aparecem os detentos trabalhando de luvas, toucas e máscaras para proteger a saúde além de evitar que fios de cabelo, por exemplo, caiam nos fios de tricô.

O artesão Carreto, fazendo uma peça de tricô sem nó, técnica inventada pelos próprios trabalhadores.


            Após a exibição foi aberta a rodada de perguntas, entre elas destaco uma em especial que falava do DNA da moda da Doisélles, Raquell afirmou que a marca procura ir contra a ideia de que o artesanal tem que ser necessariamente regionalista para a marca não existe isso já que a roupa tem que ser universal. E a qualidade é um luxo atual, portanto é isso que a marca transmite através de pequenos detalhes como acabamento. Ouve também outra questão sobre como a designer encarava a criação, para ela a criação é nada mais nada menos que uma ponte em constante trânsito de ideias e desejos.

Crystal Kay, na capa do álbum Superman, usando uma peça feita por Adenílson de Jesus, presidiário em Juiz de Fora e artesão em tricô.


            Além disso, para Raquell o trabalho que ela desenvolve com a população carcerária tem um poder transformador por evita que essas pessoas voltem a cometer delitos deixo aqui uma frase que sintetiza toda a explanação dela:

“Se o Privado se unir ao público é possível montar uma sociedade mais  justa”    Raquell Guimarães, Outubro de 2012.


(Trailer do Documentário: Cadeia de Produção), (Fotos retiradas do facebook e blog da Doisélles)

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